URBANISMO: Diante da xícara fumegante, a unidade europeia - por Valério Fabris



O Brasil está cada vez tomando mais gosto pelos autênticos cafés, assim entendidos como os que se veem na Europa Continental.  Quando se diz Europa Continental, excluem-se as ilhas e penínsulas situadas mais ao norte. Entre elas, a Islândia, as Ilhas Britânicas e a Península Escandinávia.  Os cafés são do coração da Europa: Portugal, Espanha, França, Itália, Bélgica, Holanda, Suíça, Áustria.   Em Londres, Copenhague, Dublin ou Estocolmo prevalecem os bares (pubs). 
         Ambos – os cafés e os bares – são, igualmente, instituições que promovem o intercâmbio entre as pessoas.  Contribuem para abrandar as diferenças, estimulando a tolerância e a coexistência entre os seres humanos.  As novas fronteiras do humanismo avançam nos territórios dos bares e cafés, enraizando na sociedade contemporânea, de forma descontraída, o respeito às minorias religiosas, étnicas e sexuais.  Eis uma benfazeja novidade do século XXI.
          Mas os cafés são, ainda mais dos que os bares, o espaço repleto de gentes e de palavras, como escreveu o escritor peruano Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura, no prefácio do pequeno ensaio intitulado A Ideia de Europa, de autoria de George Steiner,  um intelectual que nasceu na França, em 1929, e vive nos Estados Unidos.
         Segundo Steiner -   diz Vargas Llosa -  a “Europa é, antes de tudo, um café repleto de gentes e palavras, onde se escreve poesia, se conspira, se filosofa e se pratica a civilizada tertúlia, esse café que, de Madri a Viena, de São Petersburgo a Paris, de Berlim a Roma e de Praga a Lisboa, é inseparável das grandes empresas culturais e artísticas do Ocidente, em cujas mesas e paredes tisnadas de húmus nasceram os grandes sistemas filosóficos, os experimentos formais, as revoluções ideológicas e estéticas”.
        O livreto de George Steiner não foi publicado no Brasil.  A pertinácia e a sorte, aliada ao engenhoso sebo cibernético, que  se acessa por meio do www.estantevirtual.com.br,  me contemplaram com um bem-conservado exemplar de segunda mão, em espanhol.  O exemplar é o de uma edição mexicana, de 2006, que se abre com o prólogo de Vargas Llosa.       
       O português João Pereira Coutinho, cujos textos são publicados pela Folha de S. Paulo todas as terças-feiras, escreveu para o jornal uma crônica intitulada A Europa de Steiner, na edição do último 27 de novembro.   “Steiner é magistral, na forma e no conteúdo:  não, aquilo que une europeus não é a União Europeia, o euro e outras construções burocráticas presentemente em crise”, diz o articulista da Folha. 
          O que une os europeus, resume  João Pereira Coutinho, são um forma de estar e de viver que pode ser exportada para outros países.  “Os cafés são um bom exemplo”.  Que o Brasil, portanto, continue a fomentar o espaço intelectual dos cafés, à moda europeia, mas sem abrir mão dos bares, que  também podem ser, cada vez mais, as ágoras, os locais da alegria de viver e das conversas em torno da música, da filosofia, das ciências ou do cinema.  O próprio George Steiner cita, em seu ensaio, a contribuição dos bares para a cultura dos Estados Unidos: “O bar americano desempenha um papel vital na literatura e no eros norte-americanos, no carisma icônico de Scott Fitzgerald e Humphrey Bogard.  A história do jazz americano é inseparável dele”. 


2 comments:

Anonymous said...

Brilhante como sempre! Abs. Adriana

Anonymous said...

Brilhante como sempre! Abs. Adriana

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