As cidades mais admiradas e
visitadas do mundo são as que glorificam o terceiro ambiente, que é o
território comum, situado além dos espaços que se reservam à casa e ao
trabalho. O terceiro ambiente são as praças e os parques, os mercados e as
feiras livres, as avenidas e as ruas abertas a confeitarias, livrarias,
floriculturas, lojas, cafés, bistrôs, bares e restaurantes. Eis a
geografia humana de um século XXI que junta o pré-moderno com o pós-moderno,
como se vê em Paris, Londres ou Nova York.
Estas
cidades simbolizam um mosaico de estilos de vida, que se equilibram em
contrapontos assimétricos. Ou seja, se equilibram entre o contemplativo e o
ativo, o sereno e o incessante, o tradicional e o vanguardista. O charme
parisiense, londrino ou nova-iorquino está, sobretudo, no frêmito das ruas, na
apoteose do espaço público, no terceiro ambiente que faz a democracia se
aprofundar e se revigorar, por meio do encontro e da convivência entre pessoas
de múltiplos matizes.
Em
Paris, Londres e Nova York, a coexistência cordial entre os diferentes
tornou-se possível a partir do pacto de que a liberdade de um não contempla a
afronta ao espaço do outro. Entre nós, brasileiros, é precário o
entendimento de que os impulsos individuais não podem ser manifestados ao
bel-prazer de cada um. Por isso, desperdiçamos as ampliadas
possibilidades de alegria e congraçamento, nesta terra de clima sempre propício
às celebrações e ao encontro coletivo, geralmente com dias ensolarados e noites
pontilhadas pelas estrelas.
O
que nos atrapalha aqui dentro é o que nos deixa malvistos lá fora, seja nas
mencionadas cidades, seja em Tóquio, Oslo, Dublin e Vaduz, no Liechtenstein. Dá
para saber, de longe, quem é brasileiro, conforme diz o consultor
intercultural, especializado em turismo e hotelaria, o alemão Sven Dinklage.
“Pelo seu jeito extrovertido, tende a ser um tanto escandaloso, comparado com
outros povos”. É um defeito só de postura; não é congênito.
Portanto, pode ser corrigido.
A
gente se passa por vândalos quando, em viagem ao exterior, andamos em grupo e
às gargalhadas. Ou quando não medimos os decibéis da fala, dentro de um
restaurante. Bares e restaurantes não são, pela sua própria natureza,
barulhentos. Mesas, geladeiras e balcões não pulam e gritam. Se a clientela de
um restaurante em Copenhague subitamente nos fuzila com o olhar, imediatamente
baixamos o tom. Mas, na volta ao lar dos trópicos, regredimos por completo,
inclusive nas buzinadas e no volume das caixas de som. Nas imediações das
casas noturnas, as ruas tornam-se palcos da barbárie. A culpa recai sobre os
abnegados donos dos estabelecimentos.
Deveríamos
auferir melhor proveito das viagens ao mundo, trazendo um pouco da cultura de
uma vida bem compartilhada, que faz de Nova York, por exemplo, a cidade que
nunca dorme. E que não incomoda os que dormem. A propósito, a Abrasel MG
realiza uma campanha educativa intitulada Boa Noite em BH, com resultados muito
positivos. Mas ainda há bastante chão a percorrer, até que saibamos que é brega
o hábito de petiscar enquanto ainda estamos fazendo nossos pratos no self
service, ou quando chamamos o garçom com um psiu. Chegará o dia em que ao se
sentarem à mesa, os nossos rapazes tirarão o boné. Ao pedirem a bebida,
acrescentarão um “por favor”, ou um “por gentileza”.
Os
heroicos donos de bares e restaurantes serão, então, reconhecidos pela imensa
contribuição que deram à civilização e à democracia brasileira.
Antecipadamente, o país agradece.


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