Os bares e espaços públicos são essenciais à
democracia. Sem a arte cívica da
conversa, no encontro dos diferentes, não se tecem a sociabilidade e o espírito
comunitário. Eis o dístico, o mote, o lema do milênio: a civilização evolui,
pra valer, nas sociedades que, além de investirem na educação e na ciência,
estimulam suas vilas e cidades à interação pessoal. O planejamento urbano deve
carregar consigo o objetivo de dar vida às ruas, fazendo delas o cenário da
convivência.
Em linhas
gerais, as virtudes do diversificado congraçamento são proclamadas por
incensados intelectuais do mundo inteiro, que se debruçam sobre o enigma do
futuro da democracia, nestes voláteis tempos da assim chamada pós-modernidade
Em suma, muitos intelectuais exaltam as virtudes potenciais desta era da
tecnologia e do conhecimento. Mas,
insistem que os ganhos possíveis somente serão apropriados pelas pessoas se
elas mudarem de sinal. Precisam se libertar dos enclaves em que cada vez mais
se confinam, trocando as enclausuradas comunidades dos iguais, nas quais os
vizinhos são pares de si mesmos, pelos arejados espaços da convivência entre os
diferentes.
Ou seja, no pau
da goiaba, tais pensadores querem dizer o seguinte: sem a mistura propiciada
por botecos, bares, restaurantes, praças e parques não há solução. Ninguém faz
amigo novo em leiteria. Um dos intelectuais que mais chamaram a atenção dos
governos e das sociedades para os efeitos perversos do estilo vida encapsulado,
encaramujado e ensimesmado foi o historiador americano Christopher Lasch
(1993/94). A vida, sem a sociabilidade do terceiro ambiente, é um tiro no
coração da democracia. É a advertência que ele reiteradamente fez, sobretudo,
no livro A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia (Ediouro).
Ao lado de
Lasch, muitos outros intelectuais do passado e do presente exaltam o valor
social do espaço público e da mesa do bar, em que a democracia se robustece
pelo compartilhamento de uma reflexiva conversa ou de um singelo papo furado.
Arquitetos e urbanistas de prestígio mundial vão nessa toada, entre eles o
canadense Frank Gehry, o português Álvaro Siza, o italiano Renzo Piano, o
brasileiro Jaime Lerner, a japonesa Kazuyo Sejima.
Há, sim, uma
extensa fieira de respeitados cientistas sociais, de ontem e de hoje, que
identificaram no convívio diário, múltiplo e diversificado as tonificantes
propriedades da tolerância e do encurtamento das distâncias entre as pessoas,
essenciais à democracia. São eles, por exemplo, o francês Gilles Lipovetski, o
polonês Zygmunt Bauman, a alemã Hanna Arendt.
Pelas bandas de cá, o mais brilhante pensador da democracia foi Sérgio
Buarque de Holanda (1902/1982). Pai de Chico Buarque, um dos fundadores do PT e
autor do clássico Raízes do Brasil (Companhia das Letras), Buarque de Holanda
gostava, deveras, da mescla e da heterogeneidade. Por conseguinte, apreciava
bares e conversas.
Quando tinha 24
anos de idade, num desses rompantes da juventude, ele decidiu morar em
Cachoeiro de Itapemirim (ES), atendendo ao convite para dirigir um pequeno
jornal local, O Progresso. Tornou-se
amigo do mais ilustre cachoeirense, o cronista Rubem Braga (1913/1990). Ambos,
em algum momento de suas vidas, se filiaram ao Partido Socialista Brasileiro
(PSB), cujo corte ideológico era o da socialdemocracia, na linha do liberalismo
de esquerda. Os dois - Rubem Braga e
Sérgio Buarque de Holanda - molhavam a palavra nos bares da vida, como convêm
aos mais autênticos intelectuais.
Logo após o
falecimento do amigo, Rubem Braga escreveu uma crônica, na qual se recordou da
inebriante poesia de alma do então dirigente do jornal O Progresso. “Lembro-me
sobretudo de uma noite de verão de lua cheia, na saída de um baile – não em
Cachoeiro, mas na Vila de Itapemirim. Ele dizia que ia acender o cigarro na
Lua. E saiu, cambaleando entre as palmeiras. Vai ver que acendeu”.


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