Em linhas gerais Lasch esquematiza o seu ensaio da seguinte forma:
“As controvérsias recentes em torno da cultura contemporânea do 'narcisismo' trouxeram à tona duas fontes de confusão totalmente diversas. A primeira, (…) será examinada com cuidado no primeiro dos capítulos seguinte, é a confusão de narcisismo com egoísmo e auto interesse. Uma análise da mentalidade sitiada e das estratégias de sobrevivência psíquica por ela incentivadas (tema dos capítulos 2, 3 e 4) servirá não apenas para identificar certos traços característicos de nossa cultura – nossa ironia defensiva e nosso descompromisso emocional, nossa relutância em assumir compromissos emocionais de longo tempo, nosso sentido de impotência e sacrifício, nossa fascinação pelas situações extremas e pela possibilidade de aplicação de suas lições à vida cotidiana, nossa percepção das organizações de larga escala enquanto sistemas de controle total - , como também será útil para diferenciar o narcisismo do mero auto interesse. Mostrará como as condições sociais vigentes, especialmente as fantásticas imagens da produção de massas que formam as nossas concepções do mundo, não somente encorajam uma contração defensiva do eu como colaboram para apagar as fronteiras entre o indivíduo e seu meio. Como nos lembra a lenda grega, é esta confusão entre o eu e o não eu --- e não o 'egoísmo' --- que distingue o apuro de narciso. O eu mínimo ou narcisista é, antes de tudo, um eu inseguro de seus próprios limites, que ora almeja reconstruir o mundo à sua própria imagem, ora anseia fundir-se em seu ambiente numa extasiada união. A atual preocupação com a 'identidade' expressa em certa medida esse embaraço em se definir as fronteiras da individualidade. E também o faz o estilo minimalista da arte e da literatura contemporâneas, que extrai grande parte de seus motivos da cultura popular, em particular da invasão da experiência pelas imagens, e deste modo ajuda-nos a ver que a individualidade mínima não é só uma resposta defensiva ao perigo mas se origina de uma transformação social mais profunda: a substituição de um mundo confiável de objetos duráveis por um mundo de imagens oscilantes que torna cada vez mais difícil a distinção entre realidade e fantasia.
corretivo do egoísmo masculino. Os últimos três capítulos deste ensaio procuram, entre outras coisas, explicar por que o desejo narcisista de união não pode ser atribuído a um sexo e por que, acima de tudo, não pode ser concebido como um remédio contra a vontade de potencia faustiana. Tentarei argumentar que a própria tecnologia faustiana e prometeica se origina – até onde é possível traçar suas raízes psicológicas – da tentativa de restaurar as ilusões narcisistas de onipotência. Mas não tenho nenhuma intenção de polemizar com a crescente influência da mulher na política e nos locais de trabalho; tampouco a minha análise dos elementos narcisistas da cultura contemporânea deve ser mal-entendida como um ataque à 'feminização da sociedade americana'. O narcisismo não tem nada a ver com a feminilidade ou a masculinidade. Na verdade, este recusa qualquer conhecimento das diferenças sexuais, bem como rejeita a diferença entre o eu e o mundo que o circunda. Procura restaurar a satisfação indiferenciada do útero materno. Busca tanto a auto-suficiência como a auto-aniquilação: aspectos opostos da mesma experiência arcaica de unicidade com o mundo.
A realização da individualidade, que a nossa cultura torna tão difícil, pode ser definida como o conhecimento de nossa separação da fonte original da vida, associada a uma luta contínua para recuperar um sentido de união primitiva mediante uma atividade que nós dá uma compreensão e um domínio provisório do mundo sem rejeitar as nossas limitações e dependência. A individualidade é a dolorosa consciência da tensão entre as nossas aspirações ilimitadas e a nossa compreensão
limitada, entre nossas sugestões originais de imortalidade e o nosso estado cativo, entre a unidade e a separação. Uma nova cultura – uma cultura pós-industrial, se se gosta do termo – deve se fundamentar num reconhecimento destas contradições na experiência humana, não em uma tecnologia que tenta restaurar a ilusão da auto-suficiência; ou, por outro lado, em uma recusa radical da individualidade que procura restaurar a ilusão da unidade absoluta com a natureza. Nem Prometeu nem Narciso podem nos tirar de nosso apuro presente. Irmãos sob a mesma pele, podem somente conduzir-nos mais longe na estrada na qual já vamos bem avançados.” 3
Texto do site Labirintos do Ser
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