Questão urbana, realidade e fantasia. Por Valério Fabris. Estado de Minas de 31.10.2013

Foto: Jacques Lartigue
Plantar abóbora e colher berinjela só é possível em histórias mágicas, como as dos pés de feijão, que levam o menino ao castelo acima das nuvens. As fantasias são a ponte que podem conduzir os infantes à realidade. O crescimento se dá quando o sujeito estabelece conexões de causa e efeito. O pequenino vai aprendendo que o fogo queima, a água molha, o vidro corta. A maturidade instala-se no indivíduo quando ele entende que os fenômenos se explicam uns pelos outros.

Sociedades imaturas são aquelas em que a maioria dos seus membros se recusa a aceitar o princípio da causalidade, segundo o qual há laços lógicos que permitem a associação de um efeito a uma causa. O sujeito acha que os restaurantes devem ter poucas mesas, alta gastronomia e preços populares. Isso é uma asneira que está infinitamente longe de habitar o mundo fantástico dos irmãos Grimm, de Monteiro Lobato e La Fontaine. Quando o adulto afirma que tem de ser assim, é porque continua no cercadinho, ainda brincando consigo mesmo.

Um dos êxtases imaginativos desse fabuloso homem pueril é acreditar que o seu potente carro quatro por quatro veio de algum reino etéreo, em que não há mineração, siderurgia, baterias feitas de chumbo, ácido sulfúrico e materiais plásticos. Ele voa a um distante paraíso ecológico e zen-budista sem ao menos atinar que o avião é o meio de transporte cada vez mais utilizado no mundo, apresentando-se, assim, como uma das sérias ameaças ao meio ambiente global. Além de ser o que mais gasta energia, não dispõe de qualquer sistema de purificação de suas emissões.

Aurélio conhece bem o personagem. Descreve-o como um nefelibata. É o que “anda ou vive nas nuvens”, talvez porque não tenham lido para ele, no devido tempo, a historinha do pé de feijão que subiu ao castelo celeste. Esse meninão teima em dizer que é preciso transporte público de qualidade, abundante e barato – até mesmo com tarifa zero. Birrento, bate o pé contra o adensamento das cidades. Quer um ônibus buscando-o lá no condomínio, situado nos contrafortes da Serra do Sininho, em um itinerário que, até chegar ao seu nicho, atravessa ermos e despovoados relevos. É o tal que quer bistrô a preços de arquibancada.

O nosso herói jamais se dará conta de que a baixa de custos ocorre pelo aumento da capacidade de produção e, consequentemente, pelo incremento da oferta de bens ou serviços. Uma tarifa de ônibus fica mais barata quando há rodízio, um intermitente entra e sai de passageiros. A comida do restaurante industrial pode, perfeitamente, satisfazer ao paladar e à parte mais sensível do corpo humano, que é o bolso.

A cidade espalhada é uma irracionalidade, só cabível na mente do nefelibata. Em seu espetáculo de ilusionismo, ele troca uma vaca por cinco grãos de feijão, que o levam à galinha dos ovos de ouro. Se o sistema de ônibus não se paga, o governo comparece com a diferença. O trabalho é apenas o de ir ao tesouro, situado na Terra do Nunca, onde há grande quantidade de dinheiro e objetos preciosos.

O menino que se recusa a crescer, porque careceu de ser introduzido à trama social, é dependente de um pai imaginário, que pode ser o Getúlio, o Luís ou o Raul. Mas, sem saber direito o que quer da vida, porque esse querer implica responsabilidades, ele gosta mesmo é de passear nas paisagens adensadas, cheias de “prediões” ou predinhos, como as da Ilha de Manhattan ou de Paris, nas quais os turistas não ousam alugar um automóvel, e onde não há condomínios e shopping centers.

Da fruta que Peter Pan gosta, qualquer um de nós come até o caroço. Outro dia, alguém teve a ideia de erguer um edifício na região em que mora o moço voador. Ele, escondido atrás de uma árvore, chamou os seus rebeldes com um assovio, atacando os invasores. Adensamento, não. Transporte público abundante, barato e de qualidade, sim. Paris e Nova York são muito bacanas, mas não por aqui. Afinal de contas, para que servem as asas?


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