Ela tinha medo de tudo. Pelo menos era assim que sentia sua
vida interior em contraste com o que os outros viviam. Todo mundo era normal,
aventureiro, descarado, pra frentex, ousado, desinibido, corajoso. Tudo que ela
não era. O medo era o presente, o passado e o futuro. Era cada ato cotidiano,
cada pensamento. Tudo embutia um receio. No agir e no pensar. Se ia passear no
quarteirão, tinha medo de que lhe roubassem a bolsa. Aí pensava que se um
malandro passasse e lhe assustasse, ela imediatamente entregaria tudo. E depois
pra recuperar o que estava ali?
Viver era um peso imenso, tinha muito cálculo em tudo, um
receio exagerado de simplesmente ser. A todo momento vinha uma voz soprando
forte em sua mente “ você não sabe fazer nada, você não faz nada, você faz tudo
errado, trate de fazer certo ao menos uma vez.”, e outras vozes desse tipo,
prontas pra assustar, pra tirar a coragem, pra freiar os impulsos que lhe
empurravam pra fazer da vida, sua própria escolha. Era sempre escolhida pelo
que foi, pelo que pensava em ser e o medo era o freio. O medo e os cálculos
complicados para não agir, pra temer cada detalhe do seu já pequeno cotidiano.
Ia ao analista e falava dos medos e pedia licença até pra
falar deles, temia que se falasse, todo aquele baú mental seria coroado com os
acontecimentos mais sombrios que foram construídos desde que veio ao mundo. “É
o pensamento mágico, você tem que trabalhar isso”, dizia o analista, com a
calma que eles tem pra ponderar sobre o que não lhes toca.
Medo de espremer uma espinha sem desinfetar as unhas e pegar
uma infecção. Medos assim, todos. Medo de ter síndrome do pânico. Mas,
não era nenhuma síndrome, não dava nem pra justificar pra todo o entorno. Medo
de torcer pra algum time e só pelo fato de torcer, o time não ganhar.
Pensamento mágico, pensava ela: É isso que eu tenho. Pronto, tá resolvido. Não
tenho síndrome nenhuma. Apenas acho que tudo que penso pode vir a acontecer. Simples e
complicado assim.
Mas, pensando bem, acreditar que só o pensamento mágico
resumiria todo esse complexo impregnado em sua vida era simplório demais.
By Claire



1 comment:
O medo é uma penitenciária neurológica.
GK
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