O choro sofrido não é uma escolha, é uma desistência, você
não tem pra onde ir, então chora. Acha esse mundo cruel demais, veio pra cá na
hora errada, de um jeito errado, não sabe nem pra que nem por que veio, então
fica esse desfalque todo dia, essa sensação de que tá tudo fora dos eixos, e tá
mesmo, tá tudo errado, você vem pra cá, é uma semente crescida, expulsa do
paraíso, e pronto. Te enrolam ali, colocam uma fitinha na sua cabeça, escolhem
o rosinha, que é corzinha tetéia linda das meninas e pronto, tá lá, uma outra
infeliz no mundo.
Aí fica essa bobagem eterna, toma banho e seca o cabelo, pra
deixar ele lisinho porque senão fica menos bonita, não come pão, doce, gordura porque senão engorda e é
sinal de que não cuida do corpo, vai à merda sociedadizinha babaca, mal
instruída, toda seca, só na superfície, senta um do lado do outro e ninguém
fala de sentimento, quem fala é fraco, carente, mas que nada. Quem fala é
forte, tem coração de carne. Não aguento mais coração de pedra, cidade de
pedra, falta amor, falta carinho, abraço, falta, falta, sempre a falta ali, pra
implorar um pouco de felicidade nesse caminho tão seco, tao ralo. É a falta de
dinheiro, é a falta de amor, é a falta de confiança, é a falta de emprego, é a
falta de calçada, é a falta de transporte coletivo, é a falta de inteligência,
é um mundo que falta.
É como um carimbo no meio da testa te proibindo de ser
feliz, desde muito pequena. Depois de tudo que você passa, toma consciência
dessa meleca toda, que vai te proibindo aos poucos de ser feliz com um jeans
velho, um carro velho, uma música velha, um trampo meio fuleiro, voce vai
percebendo essa desgraça toda que o mundo se baseia, um falatório geral, pra te
fuder, te arrancar a alma, pra que te quero vida, vida, Ney Matogrosso, strike
a pose.
Pensar pra escrever, estruturar o personagem, freiar esse
vazio tão completo que tá lá na tua alma, pra quê? Isso sou eu conversando
comigo mesma já, tentando encontrar algum sentido pra tudo isso, pra continuar
vivendo, pois não aceito vida sem rima nem fudendo. E me calem a boca, tirem de
mim os palavrões, passo a borracha mas eles estão aqui, atarrachados, colados
em mim desde pequena, desde minha revolta em existir desse jeito, que veio
muito cedo, essa proibição a ser feliz do jeito que eu desejava, a existência
de acordo com a essência, que li em espinoza, essa combinação aconteceu poucas
vezes pra mim. Sempre essas regrinhas: senta direito, come direito, se veste
direito, fode direito, porque senão o mundo te fode.
São proibições,
diferente de interdições, são regrinhas que não mudam o mundo como um todo, que
não fazem sua existência crescer, se expandir, é um pão que é muito caro, é uma
vida que você não sabe pra onde vai, é e não é. Nunca sei, sou um ser cheio de
dúvidas, pra que tantas certezas? Uma hora me olho e me odeio noutras me amo. É
assim, o poeta, a poesia, a cantoria, a alegria. É um tecido que vai se
fazendo, é um fluxus ininterruptus, é um dedilhar na inconsciência toda
freadinha pela consciência, é essa eterna luta dessas duas classes sempre tão
surpreendentes, coexistentes, é uma eterna análise, um eterno terno que se
veste pra ocasiões sociais, que de terno não tem nada nesse ambiente, nessa
luta, nessa vida. É uma menina, uma mulher, que clama por ternura, se vê no
texto dela, é uma pessoa que ousa dizer, é uma pessoa que clama por limites,
que nunca os introjetou, tadinha, nunca teve objetivos na vida, sempre foi meio
maluquinha, veio no mundo a passeio, é o próprio pesadelo. Dos pais, da
sociedade. É o sujeito que não se encaixa, que não mata ninguém, só a si mesmo,
a cada golpeada, a cada chicotada da vida. Então, nesse meio tempo entre uma
chicotada e outra, esse sujeito ri, gargalha, enlouquece de felicidade, pois
nessa hora aí, ele não acredita que o chicote tá vindo com força no lombo dele,
então ele faz isso tudo, tira proveito desse recreio, desse momento de existir
com força de ser feliz.



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