Por José Alberto Bombig
Se
fosse uma banda de rock, a formação seria algo na linha Mick Jagger nos
vocais, Jimi Hendrix e Eric Clapton nas guitarras, Neil Peart (Rush) na
bateria, Ray Manzarek (The Doors) nos teclados e Sting no contrabaixo.
Eles tocariam baladas da dupla Lennon/McCartney.
Mas
é jazz, então temos John Coltrane e Julian "Cannonball" Adderley nos
saxofones, Wynton Kelly e Bill Evans encarregados do piano, Paul
Chambers no contrabaixo, Jimmy Cobb na bateria e Miles Davis no
trompete. Eles tocam composições de Davis. Para além do atemporal mundo
das listas, a reunião desses "gigantes" aconteceu durante duas sessões
no 30th Street Studio, em Nova York, e o resultado chama-se Kind of
Blue, disco que neste ano completa 50 anos e ganha relançamento luxuoso
em caixa com dois CDs (um só de raridades e takes inéditos), um DVD com
registros da época e um libreto de 60 páginas. A versão americana da
caixa ainda traz o álbum em vinil de 180 gramas.
Praticamente
sem ensaios, eles gravaram cinco temas, embalados em melodias que colam
no ouvido como algodão-doce no céu da boca. Miles Davis, morto em 1991,
era o mentor do sexteto — Kelly substitui Evans só em uma faixa daquele
que para muitos críticos é o melhor disco da carreira do trompetista,
iniciada nos anos 40 e marcada por mutações. Quem se impressiona com
conceitos deve saber que a obra funda o jazz modal: a harmonia musical
feita sem a progressão dos acompanhamentos, o que permite ao músico mais
liberdade para a melodia. O estilo está para o frenético bepop de
"Bird" Parker e Dizzy Gillespie como a geração de 45 para a literatura
modernista brasileira: rigor e lirismo em contraposição à liberdade
extrema e à irreverência que resvala no cômico. Em termos amplos, Kind
of Blue é o suprassumo do cool — as fotos de um elegante Miles de olhos
cabisbaixos são a antítese das bochechas infladas e das boinas de Dizzy.
Conceitos
à parte, ele traz música boa e bem executada. So What, a mais famosa,
por conta da sequência inicial, abre o trabalho. Freddie Freeloader e
All Blues seguem a toada, solos perfeitos sobre escassas harmonias e
frases líricas. Mas são Blue in Green e Flamenco Sketches que conferem
ao disco aquilo que toda produção precisa para ser chamada de arte: a
boa dose de melancolia e meditação; no caso, o "blue" do título e dos
olhos de Miles. Sobre ambas paira a polêmica de que o egocêntrico
trompetista teria omitido Evans da autoria (seriam o Lennon/McCartney do
jazz).
O crime, se houve, está
prescrito. Além do mais, depois de Kind of Blue, Miles Davis ganhou o
salvo-conduto dado aos deuses do jazz.
José Alberto Bombig é jornalista da Folha de S.Paulo
Fonte: Revista Bravo - Fev/09



No comments:
Post a Comment