Matéria publicada na revista Fato Relevante, de 30/11/09 - Ed. No 5
O pragmatismo humanista de Jorge Perutz
Um mineiro que nasceu na Tchecoslováquia, graduou-se na Suíça, tornou-se pioneiro da responsabilidade social nas empresas, e encontrou um jeito novo da gente viver, conciliando trabalho, alegria e fé
Por Carla Medeiros e Valério Fabris
Qualquer um com mais de trinta anos de idade pode se lembrar perfeitamente do plim-plim da TV Globo e dos comerciais da Fundação Roberto Marinho sobre a Ciranda de Livros e a Ciranda da Ciência, programas educacionais patrocinados pela Hoechst. Foram projetos que inauguraram no Brasil, com larga antecedência, a responsabilidade social corporativa. Enquanto duraram, iluminaram de saber as escolas do ensino fundamental de todo o país, de ponta a ponta, ao longo de mais ou menos 15 anos, até o início da década de 90. Tudo bolado e orquestrado por um, digamos, mineiro.
O nome dele é Jorge Perutz, na época comandante da comunicação institucional da Hoechst, uma empresa alemã da área química, que se apresentava ao grande público brasileiro como produtora de “matérias primas têxteis para vestir você melhor”. Ou, então, assinava os comerciais como “Hoechst, química a serviço da vida”. A Ciranda de Livros instalava pequenas bibliotecas nas escolas. A Ciranda da Ciência fornecia-lhes laboratórios de iniciação científica, com microscópios, lâminas e reagentes elementares.
O SÓLIDO DEMANCHA. Jorge Perutz está entre nós, com pés muito firmes no chão do pragmatismo empresarial, presidindo a regional mineira da Câmara de Comércio Americana, a ativíssima Amcham. Simultaneamente, lidera uma organização não-governamental dedicada à reflexão sobre o sentido da existência humana, o Instituto Aletheia, posto que tudo que é sólido desmancha no ar. Ele aprendeu , e hoje se dedica a compartilhar esse aprendizado, que os mistérios de Deus são eternos e perceptíveis, embora irreveláveis.
O presidente do conselho regional da Amcham e do Instituto Aletheia nasceu na Tchecoslováquia, em 1938, vindo para o Brasil com seis meses de idade. Foi levado por seus pais a morar primeiramente em Valença, no Estado do Rio. Depois, a família transferiu-se para Minas, em 1939. De lá pra cá, o século mudou, o milênio também. O seu país natal dividiu-se em dois: a Eslováquia e a República Tcheca. O murou caiu, não veio a utopia, a luz apagou, o povo sumiu. A Hoechst não existe mais. E agora?
É a lei de Lavoisier: na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. A Hoechst foi tragada por outras multinacionais, em um processo de sucessivas fusões e incorporações que acabou resultando em um bolo só, um império global da indústria farmacêutica, denominado Sanofi-Avantis, com sede em Paris. Mesmo quando pilotava a comunicação da filial brasileira da Hoechst, em São Paulo, Perutz passava os fins de semana, feriados e férias em Belo Horizonte. Ele encerrou esse vai-e-vem aéreo quando teve um piripaque cardíaco da mais extrema magnitude, a ponto de não lhe restar alternativa senão o transplante.
NARCISISMO OLÍMPICO. É cada vez mais comum a gente se deparar com um sujeito que, indiferente a tudo o que não seja a sua própria vaidade, mantém, olimpicamente, o semblante de super-homem, mesmo diante de uma tragédia pessoal ou das reiteradas evidências de que a fragilidade sempre nos rodeia. Eis aí o Titanic, a fragmentação estratosférica da nave Columbia, o tsunami em Samoa, o “silêncio do breu” e a “explosão estelar”, como escreveu Caetano Veloso em O Fundo, música de João Donato.
Para Jorge Perutz, no entanto, as fichas desceram em ruidosa cascata. Concluiu como Paulo, o apóstolo, em carta aos filipenses: “Tanto sei estar humilhado quanto estar honrando; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência; tanto de fartura como de fome; e assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece”.
A fé o livrou de um transplante que a ciência médica apontava como a única e inadiável saída. Ele, que havia passado um ano e meio entre o leito e a cadeira de rodas, levantou-se para cumprir a missão de criar um ambiente de estudos e de reflexões sobre a interseção entre ciência e espiritualidade, o Instituto Aletheia (http://www.aletheia-instituto.com.br/instituto.htm), sediado na região da Pampulha, em Belo Horizonte.
A abordagem, como explica Perutz, não se prende a conceitos científicos e a dogmas religiosos. “Trata-se da aproximação do ser humano com a energia, entendendo-a no seu todo: a que ocupa todos os espaços, em nós mesmos e no Universo”. Há alguma parecença desse pensamento com a do teólogo e filósofo Teilhard de Chardin (l875/1955). .
JK TAMBÉM É TCHECO. Perutz voltou às atividades profissionais com ânimo redobrado, assumindo a coordenadoria executiva de um dos maiores eventos já realizados em Minas Gerais, o Encontro das Américas. Ou seja: a terceira reunião preparatória para a formação da Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, aberta em Belo Horizonte no dia 16 de maio de 1997.
Posteriormente, foram promovidas cinco rodadas de encontros semelhantes: em São José (Costa Rica), Toronto, Buenos Aires, Quito e Miami. A diplomacia brasileira nunca viu vantagens na proposta da Alca, o que contribuiu para que se esvaziasse politicamente a ideia de um espaço econômico hemisférico, estendendo-se do Alasca à Patagônia (com exceção de Cuba).
O encontro da Alca marcou um ponto de inflexão de Belo Horizonte, que daí em diante passou a almejar, com mais empenho, a condição de um dos polos nacionais do turismo de cultura e de negócios. A Alca foi o último evento que teve como aeroporto-âncora o da Pampulha, incrustado na densa malha urbana da capital. Transferiram-se os vôos interestaduais e internacionais para o aeroporto Tancredo Neves, em Confins.
Assim, nove anos depois do Encontro das Américas, realizava-se, finalmente, um sonho que vinha desde o início da década de 1950, quando Juscelino Kubitschek de Oliveira governava Minas Gerais: a implantação de um centro de feiras e de exposições na capital. (Cabe aqui, a propósito da naturalidade de Perutz, a observação de que a mãe de JK, dona Júlia, era neta de um imigrante tcheco, Jan Kubitschek, popularmente conhecido, em Diamantina, como João Alemão).
O Expominas foi inaugurado, em abril de 2006, com a reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na sequencia, abriu-se até Confins a via expressa denominada Linha Verde. Em Confins, avança a implantação do Aeroporto Industrial, um centro concentrador e distribuidor (hub logístico) de cargas internacionais. É um desses assuntos em que Jorge Perutz e a Amcham mineira estão sempre enfronhados, em rodas de negócios e em grupos que se formam para a solução objetiva de questões pontuais, que destravam e fazem girar a roda. É o jeito Perutz de ser.
QUÍMICA HUMANA. Quando há uma delegação mineira rumando à China ou à Bolsa de Nova York, lá ele está, com a Amcham. Lembram-se que Bill Clinton veio ao Brasil, em 1998? Perutz foi um dos organizadores da visita do presidente americano a São Paulo, onde falou aos empresários que lotaram o Memorial da América Latina. Os amigos de Perutz o descrevem como um sujeito que tem a calma de um sábio, a gentileza de um diplomata, a escuta de um psicanalista, a destreza e prontidão de um esgrimista, a risada solta e desinibida de quem logo capta sutilezas e sempre agradece uma boa piada.
Entre seus interlocutores mais longevos, estão os jornalistas Lindolfo Paoliello e José Guilherme Araújo, os empresários Jonas Barcelos (“um grande amigo”), Aguinaldo Diniz Filho, Olguinha Géo e Eliezer Batista, o ex-superintendente da Fundação Roberto Marinho, José Carlos Barboza. Na organização da Alca, ele trabalhou lado a lado com o ex-ministro da Indústria e Comércio, Camilo Penna, em uma equipe da qual fez parte a administradora Clara Canabrava, que assim o retrata: “sem jamais se alterar, ele é empreendedor solícito e ponderado, é uma pessoa que alegra o ambiente, com uma fala sempre otimista e esperançosa”. Guarda, pois, um tanto do slogan da Hoechst: uma química (humana) a favor da vida.
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10 comments:
Lindo texto sobre meu tio Jorge. Ele foi um grande homem. E fez muito por muita gente. Merece toda homenagem possível. Obrigada.
Oi, Cristiane!
Obrigada pela visita. Realmente o seu tio é uma dessas pessoas raras que a gente conhece pela vida afora, um sujeito de uma luz incrível e que certamente está presente no coração de todos que o conhecem.
Abraços.
Clara , não sei que palavras usar para esta resumida e grande biografia de meu pai . Você e sensacional ! Obrigado por um dia aparecer em nossas vidas . Quero te ver com mais frequência . Beijos
Clara,
Adorei esta biografia do meu pai, realmente ele foi uma pessoa muito iluminada por Deus. Minha opinião é suspeita, pois sou filha!
Agradeço esta demonstração de carinho.
Beijos
Cláudia Perutz
Meus queridos Marcelo e Cláudia, sou eu que agradeço por vocês todos terem aparecido na minha vida, por ter tido a honra de poder aprender um pouco com toda a luz do seu pai, que certamente foi transmitida para vocês, filhos, também iluminados. Obrigada por fazerem parte do meu caminho, da minha vida. Beijos muitos.
Ei Clara!
Eu já tinha lido essa biografia quando saiu na revista e vou ler muitas vezes pra lembrar de como ele é especial... Final do ano vou estar em BH de novo e vamos combinar de encontrar viu?
P.S. Vou colocar o link no FB para que todos possam ver ok?
Bjs
Oi, Clara!
Quero lhe agradecer e cumprimentar por ter postado essa bonita matéria sobre a admirável trajetória do meu tio Jorge, pessoa tão querida, amada e admirada por todos.
*Estou compartilhando no Facebook também.
Beijos,
Daniela Neves
Tetê querida,
Que bom ver o seu comentário por aqui. Vamos nos falando e se Deus quiser, final do ano vamos nos encontrar. Love you, babe.
Beijos e mais beijos.
Clara
Oi, Daniela!
Que bom que você está compartilhando um pouco da bela história de vida do Jorge, esse ser humano que sempre me emociona toda vez que me vem à mente as lembranças maravilhosas de tudo que tive oportunidade de aprender com ele, de cada risada, cada sorriso. Vou parar por aqui, senão disparo nas teclas. Quero te conhecer! Beijos. Clara
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